Entender a guerra que vem: segunda parte (2/5)


Segunda parte: a constituição de um exército paralelo
A aliança civico-militar é um dos pilares da Revolução Bolivariana. Ela encontra as suas fontes na história da independência da Venezuela, e leva as forças armadas a desempenhar um papel primordial na vida política da Nação. Os apelos da oposição aos militares para tentar derrubar o Hugo Chávez, depois o Nicolás Maduro, foram recorrentes desde o advento da Revolução Bolivariana em 1999. O exército é o objeto de todas as atenções e de todas as cobiças.
Desde 2002, numerosos ex-militares, na maioria corruptos, puderam ser captados pela oposição ou escaparam à justiça do seu país tornando-se informadores dos Estados Unidos (1). Com a auto-proclamação de Juan Guaido como presidente, os soldados venezuelanos tornaram-se um alvo prioritário dos Estados Unidos. A que comandante em chefe podem se juntar as forças armadas enquanto tiver, aparentemente, dois presidentes da República?
A partir do dia 18 de janeiro de 2019, a oposição lançou a operação Amnistia. A Assembleia Nacional, em ultraje judicial e cujas decisões são nulas e sem efeito, aprova uma lei de amnistia para os militares que reconheceriam Juan Guaido como presidente. Os outros arriscam-se a represálias judiciais e às sanções de Washington. Os militantes da oposição e os meios de comunicação privados vão às portas das guarnições para assediar os soldados venezuelanos. Em vão.
O dia 23 de fevereiro de 2019 foi um dia de muita pressão contra os membros das forças armadas. Essa data foi escolhida pelos Estados Unidos e pelos seus aliados venezuelanos para forçar a entrada de um comboio de «ajuda humanitária». As 20 toneladas propostas eram ridículas em comparação com as importações de alimentos e medicamentos realizadas pelo governo venezuelano. Mas o objetivo da operação era outro. Era testar a lealdade das forças armadas.
O exército é o garante da defesa da soberania do território. A fronteira tendo sido fechada pelo governo bolivariano, a entrada dos «comboios humanitários» teria significado a recusa dos militares em obedecer ao seu comandante em chefe, o presidente Nicolás Maduro. No final do dia, os inimigos da Venezuela bolivariana não podiam deixar de constatar que todos os militares tinham permanecido fiéis à Constituição e ao governo legítimo. O que não deixará de provocar a ira de Mike Pence, o vice-presidente dos Estados Unidos, contra Juan Guaido (2).
Para apoiar essa ofensiva, a oposição fez circular numerosos apelos à deserção, prometendo 20.000 dólares para cada soldado que abandonasse o governo legítimo. Essa recompensa aumenta segundo o grau hierárquico. Essa operação tinha um objetivo preciso: construir midiaticamente a imagem de um exército de venezuelanos pronto a enfrentar o presidente Maduro. Uma espécie de «Exército Venezuelano Livre», construído a partir do modelo já testado na Síria.
Segundo os números mais otimistas da oposição, apenas 0,2% das forças públicas de segurança e de defesa desertou (3). Não houve nenhuma deserção coletiva, e nenhum comandante de tropas com o seu batalhão respondeu positivamente ao apelo de Juan Guaido. As poucas deserções individuais foram todas motivadas pela ganância e não pela vontade política de derrubar o governo bolivariano, muito menos pelo desejo de incendiar o país.
Efetivamente, a maioria dos militares que poderiam voltar a lutar no interior da sua Pátria não são numerosos e fugiram da Venezuela há muito tempo (4). Mas o objetivo era mais a construção midiática de um exército venezuelano que luta pela «liberdade no seu país» do que sua verdadeira constituição. Esse exército fantoche permitiria comprovar a tese de uma «guerra civil» e tornaria legítimas as possíveis ingerências militares estrangeiras, a pedido desses «militares venezuelanos».
Os desertores recentes puderam experimentar esta estratégia à sua custa. Quando a oposição lhes prometeu muita riqueza caso fossem trair a sua Pátria, ele se viram rapidamente abandonados à própria sorte, na zona fronteiriça colombiana, chegando mesmo a exigir moradia e alimentação ao seu «presidente» Guaido. Para os políticos da oposição, não se trata de um esquecimento nem de um erro político.
Abandonando-os a uma miséria certa, com a impossibilidade de voltar para o seu país, a oposição os precipita nas fileiras dos numerosos grupos paramilitares presentes ao longo da fronteira, e aos quais os desertores já começam a vender o seu conhecimento (5). A desobediência, nessas estruturas de extrema direita, sendo punida com a morte, eles não terão outra alternativa que de ser a parte venezuelana destes batalhões criminosos (6).
O fiasco do golpe de Estado do dia 30 de abril de 2019 acabou por participar da mesma estratégia. Muitas notícias provenientes do Pentágono deram a entender que altos funcionários bolivarianos estavam negociando com a oposição. Na realidade, Washington e suas marionetas venezuelanas foram enganados. Mas não importa: através do sistema midiático internacional, esta derrota óbvia serviu finalmente para fazer acreditar que o exército venezuelano contaria com muitos desertores potenciais nas suas fileiras.
O número de deserções aumentará certamente à medida que as ameaças ou as hostilidades dos Estados Unidos irão crescer. Porém, sem fracturar o exército bolivariano. O passo seguinte será então aumentar artificialmente, através da rede de ONGs da oposição (7), o número dessas deserções, para legitimar na opinião pública internacional a existência de um exército venezuelano às ordens de Juan Guaido, e assim transformar uma guerra de agressão estrangeira contra a Venezuela em um conflito interno. Essa construção de um exército paralelo faz parte de uma estratégia de conflito institucional e de substituição dos poderes políticos legítimos.
Desde julho de 2017, em completa ilegalidade, a oposição criou um Supremo Tribunal de Justiça «em exílio» sediado no Panamá, bem como um Procurador Geral da Nação «em exílio» em Bogotá. Desde o dia 23 de janeiro, a oposição constituiu até uma presidência paralela, com Juan Guaido à sua cabeça.
Essas instâncias fantoches tentam, desde então, se substituir aos poderes legítimos da Venezuela. A luta institucional vai agora para o terreno militar. Até agora o exército venezuelano não se dividiu porque uma das suas principais preocupações é evitar um confronto interno e uma guerra civil. O que nos leva a perguntar o seguinte: quem é que vai formar a maior parte das tropas do «exército de Guaido»?
Próxima parte: os combatentes venezuelanos (desertores, civis e mafiosos locais)
Para as outras partes da análise “Venezuela: entender a guerra que vem”, clicar aqui.
Tradução: Ulysse Gallier

Notas:
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(1) Citamos alguns dos militares venezuelanos que trairam sua Pátria desde a chegada ao poder do Hugo Chávez. Essa lista de generais ou de alto responsáveis é muito longe de ser exaustiva: Nestor Gonzalez, Manuel Rosendo, Hector Ramirez, Giussepe Piliery, Raphael Isea, Raul Baduel, Hugo Carvajal, Cliver Alcala, Miguel Rodriguez Torres, Oswaldo Perdomo, Leasmy Salazar, etc.
(2) “Mike Pence recrimina a Guaidó por su fracaso en Venezuela”, Telesur, 28/02/2019, https://www.telesurtv.net/news/mike-pence-reclamo-juan-guaido-fallo-intervencion-militar-venezuela-20190228-0023.html
(3) O cálculo foi feito a partir dos 1000 desertores reivindicados pela oposição, em função dos 235.000 militares e 190.000 policiais ativos. Esse número diminui consideravelmente caso se incorpore nos cálculos os 2.000.000 de milicianos bolivarianos.  
(4) Pensamos aqui nos militares que se opuseram ao projeto político do Hugo Chávez, bem como nos elementos que não hesitaram em cometer atentados terroristas no território venezuelano. No entanto, esses militares contra-revolucionários radicais deixaram o exército e o país há vários anos.
(5) Ver a entrevista de Efren Fernandez, porta-voz dos desertores venezuelanos na Colômbia, realizada por Audrey Carrillo para W Radio, 16/04/2019 https://twitter.com/AudreyCarrillo/status/1118174563865636870   
(6) Jorge Chavez Morales, “Offensive paramilitaire au Venezuela”, Ultimas Noticias, 12/07/06, pp. 34-35. Disponível em francês em
(7)  Na multidão de ONGs ligadas às diferentes facções da oposição (e, na sua grande maioria, financiadas pelos Estados Unidos), esse papel caberá certamente à ONG Control Ciudadano, que se especializou no “controle cidadão das forças armadas”. Na realidade, essa ONG está encarregada de espalhar rumores, ou de revelar documentos confidenciais. Ela é a única fonte da maioria das ONGs e dos meios de comunicação internacionais que transmitem, sem qualquer verificação, as notícias falsas de Control Ciudadano.