Pequeno manual crítico duma Venezuela vilipendiada

 (com Albert Mondovi)

As manipulações mediáticas visando desacreditar a Revolução Bolivariana intensificam-se ao mesmo ritmo da sua orientação rumo ao Socialismo. A reacção às mentiras e a sua clarificação precisam de muito mais tempo que a produção da própria mentira, à qual, depois de desmontada, se seguem novas vagas de calúnias. Decidimos, assim, compilar as matrizes de opinião negativa mais comuns e às quais responderemos de forma curta.

AUTORIDADE NEM SEMPRE É AUTORITARISMO
1°) A Constituição da República Bolivariana da Venezuela é a Constituição de Chávez.
Se o presidente Chávez durante a sua estadia na prisão nos anos 90 escreveu certas ideias quanto à nova constituição, o esforço de construção colectiva da nova carta suprema é um exemplo de democracia participativa e representativa. Assim que foi eleito o presidente convocou, como o prometera durante a campanha, um referendo para perguntar aos venezuelanos se estavam de acordo em mudar a Constituição e convocar uma Assembleia Constituinte. O resultado exprimiu por si próprio a necessidade de mudança: por 90% a convocação da Assembleia Constituinte foi aprovada. Iniciou-se então um processo de reflexão colectiva. Através de assembleias populares e de comissões de bairro, o Povo elaborou propostas para a constituição da Constituição.
Houve depois eleições para eleger os representantes da Assembleia Constituinte e que foram o espelho da realidade política do momento. Contavam-se entre os representantes partidários e aliados de Chávez (muitos deles mais tarde acabariam por traí-lo), mas também adversários políticos. Pensar que esta constituição é obra de Hugo Chávez, escrevendo-a sozinho noite e dia, é negar a organização do debate democrático que houve à volta dela.
Após alguns meses de trabalho, inspirando-se no projecto de Chávez, mas integrando elementos dos cidadãos e do debate resultante das diferenças políticas no seio da Assembleia Constituinte, os deputados apresentaram o projecto final à aprovação dos venezuelanos por um segundo referendo popular. Em 15 de Dezembro de 1999 a nova Carta Suprema foi ratificada por 71,19% dos venezuelanos.
Como qualquer outra Constituição, é a base sobre a qual se levantará uma nova República, a República Socialista conforme entender construí-la o Povo venezuelano.
2°) Chávez decide mudar a constituição para se tornar presidente vitalício.
O Artigo 230 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela limita a dois a número de mandatos presidenciais. Após a sua reeleição em 3 de Dezembro de 2006, Hugo Chávez nomeou uma comissão encarregada de reformar a Constituição. Se o conteúdo das reformas está ainda por conhecer, sabe-se já que deverá incluir uma modificação do artigo 230, de forma a permitir que o Povo venezuelano seja o único a decidir sobre o fim do mandato presidencial, como é o caso em numerosas democracias. O trabalho final da comissão pela Reforma da Constituição será apresentado à Assembleia Nacional que deverá avaliá-la por um voto superior a 2/3 dos seus membros (artigo 343 da Constituição). O projecto, assim confirmado pelos eleitos do Povo será finalmente submetido a um referendo popular, tal como o prevê o artigo 344 da Constituição. O resultado desse referendo confirmará definitivamente o tipo da reforma constitucional.
A acusação de que Chávez modelou a Constituição de forma a ser presidente vitalício não tem fundamento. Tanto mais que o artigo 72 dessa mesma Constituição abre a possibilidade de convocar, a meio mandato, um referendo revocatório contra o Presidente. No fim de contas, se Hugo Chávez ficar como Presidente da República até ao fim dos seus dias será tão somente por o Povo o decidir e por o próprio Presidente consentir em submeter-se a essa vontade popular.
3°) Com a lei Habilitante, Chávez obteve poderes plenos.
A Constituição da Venezuela afirma existirem cinco poderes independentes uns dos outros: executivo, legislativo, judicial, eleitoral e cidadão. A lei Habilitante votada pelo poder legislativo dá ao presidente Chávez o poder de legislar sobre assuntos definidos pela Assembleia Nacional por um período, também ele definido pela Assembleia Nacional, de 18 meses. Os decretos-lei emitidos durante esse período têm que respeitar a Constituição. O trabalho do presidente Chávez durante esses 18 meses não poderá em nenhum caso opôr-se aos trabalhos em curso nos quatro outros poderes. Assim, não só Hugo Chávez não poderá gozar de plenos poderes, como as acusações duma suposta deriva ditatorial são completamente infundadas. Com efeito, a história recente da Venezuela demonstra o contrário. Em 2001, Hugo Chávez beneficiara já duma lei Habilitante que usara para promulgar 49 decretos-lei (entre eles sobre a Reforma Agrária, as Pescas e os Hidrocarbonetos) que formaram o fundamento progressista do governo. Além disso, a última palavra sobre os decretos emitidos durante os 18 meses de lei Habilitante pertence aos cidadãos venezuelanos. Estes podem, como o prevê a Constituição no seu artigo 74, convocar um referendo (se reunirem 10% do corpo eleitoral) para revogar total ou parcialmente qualquer lei do país.
O sistema de leis Habilitantes não é próprio da Venezuela. Encontram-se tais mecanismos jurídicos nos Estados Unidos, no Canadá ou até mesmo na França com o artigo 49 §3, com a diferença que nestes países não se goza de nenhuma contrapartida imposta pelo poder legislativo ou pelos cidadãos como na Venezuela.
4°) Hugo Chávez pretende impor um sistema de Partido Único na Venezuela.
Às eleições parlamentares de 4 de Dezembro de 2005 não menos de 450 organizações e partidos políticos (de nível nacional, regional e local) apresentaram candidatos (só seis partidos da oposição decidiram boicotar as eleições). À eleição presidencial de 3 de Dezembro de 2006, 78 partidos políticos decidiram apoiar um dos 20 candidatos. Da totalidade dos partidos políticos, só 24 apoiavam os presidente Chávez.
Foi a esses partidos e organizações que o apoiam que Hugo Chávez convidou a unirem-se num grande partido da Revolução Socialista. Após a construção deste último restariam dezenas de Partidos Políticos da oposição à escala nacional e centenas à escala regional e local. A democracia multipartidária venezuelana não seria em nada afectada pela estratégia do movimento socialista. Estratégia que nem sequer é própria da Venezuela nem do Socialismo. A União por um Movimento Popular (UMP), o grande partido da direita francesa, construiu-se segundo a mesma ideia de união. Esta iniciativa tem, entre outros, o objectivo de lutar contra as tendências clientelistas no seio do movimento revolucionário. Com efeito, certos partidos que não representam nada a nível nacional têm o mau costume político de usar seu pequeno capital eleitoral para obter postos importantes na função pública e nos ministérios. Prática que não poderá ter mais lugar com a criação do novo partido de união.
Ademais, a criação do Partido Socialista Unido dá-se para tornar a dar um sentido à noção de partido político na construção do Socialismo. Num país onde os partidos políticos estão mais que desacreditados, não sendo mais que simples máquinas eleitorais, o desafio está à medida da singularidade histórica do Partido Socialista Unido da Venezuela.
Não há verdadeira liberdade sem limites, os do bem comum e do interesse colectivo.
5°) Chávez e o governo bolivariano tentam eliminar a liberdade de expressão.
Frequentemente confunde-se a liberdade de expressão com a liberdade permitida aos grandes grupos mediáticos de impor a sua visão capitalista, mercantil, sexista e racista da comunicação e informação à grande maioria que é o conjunto dos cidadãos que são telespectadores, leitores ou ouvintes.
A liberdade de expressão está consagrada no artigo 57 da Constituição bolivariana. Afirma este que « qualquer pessoa tem o direito de exprimir livremente os seus pensamentos, ideias ou opiniões de viva voz, por escrito, ou através de qualquer forma de expressão ». A liberdade de associação (artigo 52 da Constituição), a liberdade de se reunir em locais públicos (artigo 53) e a liberdade de comunicação (artigo 58) reforçam esta liberdade fundamental. Neste sentido existe mais liberdade de expressão que em qualquer outro dos países democráticos.
Com efeito, a oposição minoritária pode tranquilamente manifestar o seu repúdio pelo governo e os seus porta-vozes são sistematicamente revezados pelos meios de comunicação comerciais que se transformaram em verdadeiros actores políticos e representam uns 70% do espectro mediático venezuelano (TV, rádio, imprensa escrita). O governo não tem nenhum controlo sobre a difusão na Internet e é costume encontrar nela apelos à violência, à insubordinação, ou até mesmo à guerrilha urbana emitidos por grupos radicais da oposição.
Apesar da participação activa dos meios de comunicação comerciais no Golpe de Estado de Abril de 2002 e na sabotagem económica de Dezembro de 2002 – Fevereiro de 2003, que se saldou por uma perca de 15 mil milhões de dólares em termos de produção nacional, nenhum destes meios foi encerrado ou censurado pelo governo bolivariano.
Em Dezembro de 2004 foi votada a lei sobre a Responsabilidade Social da Rádio e da Televisão (lei RESORTE) com o fim de instaurar um sistema de regulamentos legais no país. Esta lei é semelhante – se bem que menos estrita – às leis que regem o CSA francês ou o FCC americano. Apesar da sua flexibilidade a grande maioria dos meios de comunicação venezuelanos continua a violá-la impunemente. A liberdade de expressão foi encorajada pelo governo bolivariano ao promover a criação de centenas de meios de comunicação comunitários através dos quais os habitantes dum bairro possam fazer ouvir as suas vozes, os seus pontos de vista, e participar na discussão sobre as coisas públicas. Pilares importantes da reflexão comum e muito frequentemente crítica da burocracia do Estado, estes milhares de vozes que se exprimem nos meios de comunicação comunitários eram sistematicamente esquecidos pelos grandes patrões da imprensa.
Também foi o governo bolivariano um dos principais promotores da cadeia de televisão internacional Telesur, cujo objectivo é permitir à grande maioria dos latino-americanos poder exprimir a sua realidade social. Realidade social da qual nunca fizeram eco os grandes grupos mediáticos.
Enfim, o não renovamento da concessão hertziana à cadeia RCTV vai permitir à maioria decidir sobre a linha editorial e a qualidade dos programas que vai difundir a nova cadeia de serviço público. E assim romper com a sujeição da liberdade de expressão ao capital financeiro de uma mão cheia de poderosos.
Em 2002 o escritor venezuelano Roberto Hernandez Montoya escreveu: « Os patrões dos meios de comunicação na Venezuela têm tanto poder que nem fazem ideia que esse poder tem limites ». Querendo garantir uma democracia integral, o governo bolivariano deu assim uma parte desse poder mediático ao Povo.
6°) Chávez leva a cabo uma campanha de nacionalizações selvagens e ameaça a propriedade privada.
A propriedade privada é garantida pelo artigo 115 da Constituição Bolivariana. Em nenhuma altura no seio do governo se pensou em pôr em causa esse princípio. Fiador e promotor do interesse colectivo, os poderes públicos devem no entanto impor um conjunto de prioridades ao exercício das liberdades individuais em função de bem comum. A função social da propriedade permite submeter as obrigações mercantis e comerciais às exigências humanistas e de dignidade das pessoas. É claramente uma escolha soberana a de decidir dar mais importância às pessoas que aos bens, é a escolha que tomou numerosas vezes a população da Venezuela pela via das urnas.
Uma reforma da constituição prepara a inserção de 5 estatutos sobre a propriedade privada que tratam dos diferentes aspectos de que ela se pode reverter. Sem ser um fim em si, a propriedade privada deve continuar a ser um meio do desabrochar humano e de progresso colectivo. As confiscações, os arrestos, as redistribuições de bens não valorizados (terras, oficinas, alimentos, açougues) correspondem a um procedimento legislativo inscrito na Lei de expropriação por causa de utilidade pública ou social que rege a obrigação de garantir à população o respeito pelos seus direitos fundamentais (trabalho, habitação, alimentação) sem que estes possam ser subordinados aos princípios invioláveis da propriedade.
Não é tanto o estatuto de propriedade que incomoda, mas mais a hipoteca do desenvolvimento social. Uma grande propriedade que participa no desenvolvimento nacional, que permite a inclusão, que produz e respeita os trabalhadores tem todo o seu lugar na Venezuela. Prova disso são os numerosos ciclos económicos bilaterais organizados pela Venezuela com empreendedores dum país estrangeiro em Caracas e a recente conferência sobre o lugar que podem ocupar os empreendedores nacionais num país onde o Estado os tinha antes debaixo da asa e que têm agora que prestar serviços ao conjunto da nação.
7°) Chávez e o governo bolivariano vão fechar arbitrariamente a mais velha cadeia de televisão venezuelana (RCTV).
Em 1987 o governo do presidente de então Jaime Lusinchi (do partido Acción Democrática) decide regulamentar o sistema de obtenção de concessões hertzianas para as televisões e rádios nacionais. O novo regulamento apareceu no jornal oficial nº 33726 de 27 de Maio de 1987 e estipula no seu artigo 1: « As concessões para a transmissão e exploração de cadeias de televisão e frequências de rádio são dadas para um período de 20 anos » e precisa no seu artigo 4: « As concessões que tenham sido dadas antes da data do presente decreto serão consideradas válidas nos termos estabelecidos no artigo 1 ».
Como se vê os 20 anos acabaram. A concessão dada à cadeia RCTV pelo Estado teve fim em 27 de Maio último. O governo venezuelano não suprime nenhuma licença nem encerra nenhuma cadeia de televisão, exerce muito simplesmente o poder de não renovar a concessão conforme estabelecido pela Lei.
O controlo do uso de frequências hertzianas pelo Estado não é próprio da Venezuela. Em França os artigos 21 e 22 da lei 86-1067 relativo à liberdade de comunicação afirmam claramente o poder do Estado nesse domínio.
Não há portanto nenhum encerramento arbitrário de cadeia de televisão. O senhorio decide apenas mudar de inquilino, e nada impede a RCTV de continuar a emitir por cabo. Esta decisão foi nomeadamente motivada pelas múltiplas infracções à lei de Responsabilidade Social da Rádio e da Televisão (lei RESORTE) assim como pela participação activa da RCTV no golpe de Estado de Abril de 2002 e na sabotagem económica de Dezembro de 2002 – Fevereiro de 2003, que se saldou por uma perca de 15 mil milhões de dólares do PIB.
O espaço deixado vazio pela RCTV foi preenchido desde 28 de Maio de 2007 por uma cadeia de serviço público onde os programas estão a cargo de Produtores Nacionais Independentes e duma rede nacional de televisões comunitárias, numa palavra, pelas mãos do Povo criador e imaginativo. O nome desta nova cadeia diz bem: TVes, jogo de palavras com « te ves » que significa « vês-te ».
VENEZUELA 2000, UMA NOVA CUBA DOS ANOS 1950? DROGAS, TRÁFICO E CORRUPÇÃO.
8°) Segundo Transparency International a Venezuela é o país mais corrupto do continente Americano, mais que o Haiti. Assim, a Venezuela é o país mais corrupto do mundo.
A corrupção é o legado infame de 40 anos de políticas capitalistas clientelistas que herdou o governo bolivariano ao chegar ao poder. Face escondida duma burocracia de Estado ainda pesada, a corrupção invadiu as consciências, a tal ponto que um homem político que a ela não recorresse era tido por idiota. O presidente Chávez reconhecendo que a corrupção é um vício gravíssimo que será difícil erradicar a curto prazo iniciou uma luta de morte contra esse flagelo. A criação de conselhos comunitários e a nova geometria do poder estão na base duma apropriação directa pelo Povo dos meios financeiros que lhe estão destinados, sem passar pelo crivo redutor de funcionários corruptos.
Se a corrupção ainda persiste na Venezuela, será a situação tão catastrófica como faz crer a O(N)G Transparency International?
A organização Transparency International, bem longe de ser uma ONG independente, é financiada por numerosas multinacionais (entre as quais ExxonMobil, directamente interessada na Venezuela) assim como por diversas agências governamentais incluindo paraventos da CIA como a Fundação Ford, A Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) ou o Centro Internacional do Empreendimento Privado (CIPE), tendo estado estas duas últimas implicadas no golpe de Estado de Abril de 2002 assim como em todas as tentativas de destabilização do governo bolivariano.
Além disso Transparency International limita as suas investigações ao sector público, o que penaliza os países onde o Estado tem um papel regulador ou de obstáculo ao liberalismo mais feroz. Também, um dos critérios maiores usado por Transparency International para determinar o nível de corrupção é a percepção que os próprios cidadãos têm da corrupção no seu país. Imagina-se facilmente como um inquérito desse tipo nos sectores tomados pela oposição e intoxicados pela propaganda dos meios de comunicação comerciais pode falsear a realidade da corrupção na Venezuela. Tanto as ligações financeiras da Transparency International como os seus métodos de investigação obrigam-nos a distanciar-nos do resultado alarmista que parece mais uma arma suja contra a Venezuela que um estudo objectivo e transparente.
9°) Existem centenas de prisioneiros políticos no país.
Não existe nenhum cidadão encarcerado por motivos políticos ou delitos de opinião. Ninguém foi inculpado pela organização do golpe de Estado de Abril de 2002. Lembremo-nos de passagem que os generais responsáveis pelo putsch de Argel em Abril de 1961 foram encarcerados e Bastien-Thierry, organizador do atentado de Petit Clamart, foi fuzilado.
No entanto um certo número de pessoas na Venezuela foram julgadas e condenadas ou postas a exame em casos de morte de cidadãos venezuelanos como durante o golpe de Estado de 11 de Abril de 2002 ou como no caso do assassínio do procurador Danilo Anderson.
Se há figuras políticas encarceradas é por prevaricação financeira ou delitos de direito comum.
Mas um político prisioneiro não é o mesmo que um prisioneiro político.
Uma calçada no jardim do Império
10°) O governo bolivariano adopta um comportamento imperialista ao comprar títulos do tesouro argentino ou praticando a diplomacia do petróleo nas Caraíbas. Ao fazê-lo, malbarata o orçamento nacional no exterior em lugar de investir nos problemas dos venezuelanos.
Às vezes é difícil admitir que possa haver aqui outras trocas e outras discussões que as baseadas no interesse social e solidariedade. Talvez a maioria veja aí um discurso hipócrita que permite usar habilmente a arma diplomática que é o petróleo. Isso seria passar além da visão bolivariana da integração latino-americana. Advêm daqui uma série de acordos não tanto condicionados aos termos comuns de troca comercial quanto às esperanças e aos gestos humanitários que unem cada vez mais Estados e povos.
A abertura energética para com os países das Caraíbas permite a « micro-Estados » libertarem-se sensivelmente da dependência perniciosa da ajuda norte-americana e das refinarias estrangeiras. As contrapartidas que exige a Venezuela dizem respeito às pessoas, aos aspectos sociais do desenvolvimento nacional mais que ao respeito pelos procedimentos de rigor económico ou de redução dos défices públicos a todo o custo. Estas últimas exigências condicionavam a ajuda do « Norte » no quadro do Consenso de Washington. O acordo Petrocaribe que rege esta aliança energética é bem claro. Não se trata de uma doação mas de condições especiais de administração do petróleo. O pagamento definido para 25 anos deverá fazer-se uma parte em divisas, a outra em serviços (medicamentos, carne, sementes, etc). A acusação de esbanjamento por parte da oposição não é senão hipócrita. Após ter usado a sua influência no seio duma OPEP descomposta no princípio dos anos 2000, a Venezuela conseguiu estabilizar, em acordo com os seus parceiros, os preços do petróleo bruto em alta. Além disso, em 2005, a companhia CITGO (propriedade da PDVSA nos Estados Unidos) trouxe pela primeira vez na sua história benefícios ao país. A maior parte deste imenso excedente financeiro, que os membros da oposição desbarataram enquanto no poder, é investido na Venezuela em programas sociais.
A Venezuela compra títulos do tesouro argentino e com isso consegue um meio de suspender a dependência argentina dos credores do Norte, de escoar uma grande parte da sua liquidez para lutar contra a inflação, e de reatar os laços com uma Argentina que lhe fornece inúmeros bens manufacturados que lhe são recusados pelos Estados Unidos. Enfim, esses títulos são portadores de remuneração a prazo, e são a ocasião de consolidar um sistema financeiro que permita conservar os capitais no « Sul » de maneira que as mais-valias da manipulação de fundos cessem de ser sistematicamente retidas no Norte. É este o argumento da constituição do « Banco do Sul », ao qual ninguém na América Latina é obrigado a aderir, mas cujo projecto tem tido um grande sucesso nas economias nacionais estruturalmente e financeiramente dependentes do Norte.
11°) A Venezuela é o país mais perigoso do continente (violência/delinquência + armada)
Ouve-se frequentemente o Departamento de Estado referir-se à « corrida aos armamentos » imposta pela Venezuela na « região » latino-americana em risco de ser destabilizada por um Estado quase vadio. Em termos de orçamento de armamento a Venezuela está atrás de Brasil, Argentina, Chile, Colômbia (reforçado mais ainda pela ajuda militar norte-americana no quadro do Plano Colômbia) e México. O armamento da Venezuela revela uma renovação do seu arsenal ligeiro e da sua frota de aviões de caça cujas peças sobressalentes lhe foram recusadas pelos Estados Unidos. Os mesmos Estados Unidos oferecem menos resistência em armar a Colômbia com carros de assalto cuja pertinência para lutar contra uma guerrilha entrincheirada o mais das vezes em montanhas de forte declive se percebe mal. A menos que não seja mais que uma maneira de evitar pôr na rua os trabalhadores de Cleveland e Detroit.
Depois de passar da defesa nacional à segurança nacional e ao estabelecimento de regimes autoritários, a segurança interior anima muitos receios. Se os « teatros de operação » – lugares remotos de isolamento e de desvelos policiais –, os desaparecimentos, torturas e outros massacres praticados ao longo de toda a IV República Venezuelana desapareceram, a insegurança e a violência continuam no entanto parâmetros alarmantes. Acompanhando o armamento de redes de narcotráfico, semelhante a fenómenos que se dão por exemplo no Rio de Janeiro, acompanhando os registos de violência no Recife e alcançando o pico em termos homicídios em Caracas em meados dos anos 1990, a violência na Venezuela é um mal que mina a nação e estigmatiza a desunião e a desarticulação das estruturas sociais do país em várias escalas. A depuração dos corpos de segurança, a luta determinada da justiça e o restabelecimento de oportunidades iguais para todos são um esforço nacional.
Se a Venezuela é um país perigoso, é-o para o governo norte-americano, pela sua mensagem de esperança e transformação social que promete à América Latina e ao Mundo.
12°) A Venezuela é um centro potencial de actividade terrorista na América Latina.
A integridade territorial da Venezuela e a protecção dos recursos do sub-solo, particularmente cobiçados neste princípio de século belicoso, são garantidas por um exército bem menos notável que o da maioria dos seus vizinhos, e sem qualquer possibilidade de se « projectar » agressivamente para além das suas fronteiras.
A luta contra o narco-tráfico e o terrorismo internacional está na origem dum desentendimento dos Estados Unidos com o Brasil sobre a instalação duma base militar na Amazónia remota, reservatório de biodiversidade. Há alguns meses foi instalada uma base no Chaco Paraguaiano, a dois passos da segunda reserva de gás do continente (na Bolívia), mas sobretudo, assim foi dito, para vigiar actividades terroristas na tripla fronteira – Paraguai, Brasil, Argentina. Tripla fronteira que, além do seu interesse geopolítico, se reveste dum interesse geoestratégico notório: corresponde ao maior aquífero do planeta, o Guarani.
Ouve-se de diversas fontes comentários sobre os centros de terrorismo na Venezuela conforme definidos pelos Estados Unidos (islamismo, campos de treino iranianos, ETA, bases da Al Qaeda!!!). Não é tudo isto mais que uma mentira orquestrada que pretende justificar uma intervenção estrangeira. Não tem de acreditar numa mentira senão quem precisa dum pretexto.
Depois de 2000 e do encerramento da sinistra « Escola das Americas » no Panamá, onde se formaram os mais famosos ditadores do continente, os Estados Unidos instalaram oito novas bases na região que se somam às sete já existentes, totalizando vários milhares de soldados estacionados numa região que assegura 40% do consumo de petróleo da federação norte-americana.
CASSANDRAS
13°) A Revolução Bolivariana sem petróleo afundar-se-á por si própria.
Antes de especular sobre a economia pós-petrolífera venezuelana, é bom lembrar que, com o sub-solo da Faixa do Orenoco, a Venezuela possuiria as reservas petrolíferas mais importantes do mundo, à frente dos países do Médio Oriente. Além disso a Venezuela dispõe das primeiras reservas de gás da América Latina, ainda sub-exploradas. O país é também rico em alumínio e ouro. As indústrias de base venezuelanas têm belos dias diante de si, ainda que o petróleo se venha a tornar raro.
O governo bolivariano lançou uma grande campanha para diversificar a economia. Tradicionalmente a Venezuela era um país importador. As receitas do petróleo asseguravam a compra de diversos produtos manufacturados, agrícolas, etc. Para não depender das importações, o governo relançou a produção agrícola, nomeadamente no seio de cooperativas agrícolas. O desenvolvimento endógeno, pilar da economia bolivariana, pretende reduzir as importações de produtos manufacturados. Note-se também na Venezuela o desenvolvimento sem precedentes da petroquímica que faz medrar o aparelho produtivo da indústria petrolífera.
Para lutar contra o flagelo da dependência das importações, o executivo promulgou o decreto presidencial 3898 que obriga todas as indústrias de base (públicas ou privadas) a fornecer em primeiro lugar as empresas de transformação nacional e a exportar só o excedente. As aberrações que eram a importação massiva de T-shirt de poliamida ou de tachos de alumínio e a sua venda a preços elevados não terão mais lugar.
O tecido produtivo da Venezuela foi reforçado pela criação de dezenas de milhares de cooperativas e empresas de produção social que, na grande maioria, estão situadas fora da economia do petróleo e não estão ligadas à indústria de base.
Enfim, o crescimento da tributação fez dessa entidade a principal entrada no orçamento de Estado, e só depois o petróleo, enquanto que a primeira representava só 22% quando da instalação do Presidente Chávez no poder.